sábado, 16 de março de 2019

OS AMIGOS DO RIO



       O fascínio atávico que o ser humano sente pelos grandes cor­pos d’água determinou, ao longo dos tempos, seu modo de ser, de viver, de trabalhar, de lutar, de rezar e de se divertir. Por ser a água a essência bio­lógica da vida, o simples ato de vê-la gera nas pessoas um estado de extre­mo bem-estar. Nesse exato momen­to, com certeza milhões de pessoas, em todo o mundo, estarão pensando numas merecidas férias à beira-mar, lago, rio, córrego, represa ou, quem sabe, numa piscininha natural no sitio da vovó.
Agora mesmo, antes de começar a escrever, estava a olhar absorto pa­ra o “papel de parede” do computador, composto por uma foto espeta­cular de paisagem do Canadá, onde um rio desce em corredeiras por entre magníficos espécimes coloridos de abetos, pinheiros, espruces e bálsamos, componentes da densa floresta que recobre aquele notáveis pais do Norte.
Pois ao observar essa imagem tão bela, me dei conta do enorme encan­to que o Rio Piracicaba sempre exer­ceu em mim, desde a infância. Algu­mas poucas cidades têm o privilégio de serem cortadas por rios de porte, como a nossa. Uma que se asseme­lha bastante é a agradável Cachoeiro de Itapemirim, no estado do Espírito Santo. É muito provável que esteja aí a causa da atração que Roberto Carlos sentiu por Piracicaba, tempos atrás, quando possuiu um rancho em Artemis, onde costumava passear de bar­co nas águas que deveriam lembrar-lhe seu pequeno Cachoeiro. A propósito, por onde andará o rei? Em que águas navega agora?
Lembro-me que na década de 50 parte significativa de minhas horas de lazer de adolescente foi passada às margens do Piracicaba. Com meus amigos Ítalo e Tegon, descia da Cidade Alta para o Clube de Regatas, ondede “Seo" Júlio nos dava as catraias para os passeios. O maior barato era re­mar forte até o meio do rio, fazendo a catraia penetrar na correnteza e rodopiar ao sabor da força das águas.  Acho que o lugar se chamava poção, era extremamente perigoso, onde afo­gamentos aconteciam com frequência. Mas o sabor do perigo era inigua­lável. Hoje, existem esportes radicais certamente bem mais arriscados do que aquilo, mas para mim era adre­nalina pura.
Naquele tempo o clube ainda não tinha piscina e a gente nadava no rio mesmo, saltando do trampolim de fer­ro, localizado à altura da rua Moraes Barros. Nunca me esqueci do sufoco que passei num dia de cheia, quando, por descuido, afastei-me mais do que era seguro e vi-me sendo puxa­do rapidamente para longe do trampolim, para meu total desespero. Lembro-me com nitidez dos rostos apreensivos dos colegas distanciando-se. A sensação era que eles fugiam de mim. Felizmente, Laoviah, meu anjo da guar­da, disfarçado num revoluteio da cor­renteza, empurrou-me para um remanso e pude nadar de volta. Terminava ali a minha promissora carreira de na­dador fluvial. Naquele ano, o rio co­brou quatro vidas. Foram meninos e adolescentes que tiveram menos sor­te do que eu...
Mas o rio continuava sendo a grande atração. Lá pelo fim da década de 50, embora sem muita vontade de me aventurar nas suas águas já bastante turvas, costumava pescar com meu amigo Olaerte, à jusante do salto, ali onde o peixe para(va). No início dos anos 60, ele se mandou para os Sta­tes e eu perdi o companheiro de pes­caria. A minha nova carreira de gran­de pescador ribeirinho viu-se preju­dicada por falta de equipe. Quando, depois de muitos anos, fui visitá-lo em Salt Lake City, ao relembrarmos os tempos de juventude, me contou que, uma vez por ano, ele vai com os amigos pescar no Alaska e nas con­versas de pescador das noites gela­das de lá, para rebater a bazófia dos gringos, conta-lhes sobre os grandes dourados, pintados, mandis, jaús e o imenso lambari, o terror das águas, com quase cem quilos, que ele cos­tumava pescar em sua terra natal. Pelo visto, ele continua sendo um autêntico pescador.
Em 1963, na inauguração da sede atual do Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz", eu era diretor artístico e cultural e trouxe o Jorge Mautner e o José Roberto Aguilar para uma pales­tra. Mautner tinha lançado o seu po­lêmico livro “Kaos” e o Aguilar inicia­va sua careira de pintor. Pois junto com os dois, vieram o Zé Mário e o Leo, cineastas desvairados que adoraram Piracicaba. Sempre que podiam vi­nham passar um fim de semana com a gente e ficavam na casa do Tilo Ferraioli. Numa dessas vezes, lá pelas tan­tas, depois de umas e outras no Café Haiti, fomos ao rio curar a bebedei­ra. Só que o Zé Mário, além de quase surdo, era quase cego. Quando che­gamos onde hoje está a ponte pênsil, ele tropeçou e, pra variar, perdeu os óculos. De noite, escuro, mais as cer­vejas tomadas, até que tentamos, mas não houve jeito de achar os óculos do Zé. Tudo bem, fomos para a água, noite quente de janeiro, todo mundo pelado, estávamos sentados nas pe­dras, na maior, quando chegaram uns caras gritando, perguntando onde es­tava a tarrafa e passando a mão sob nossas pernas, procurando a dita cuja. Aí a coisa pegou. Era a fiscalização que tinha dado uma batida do outro lado do rio e os verdadeiros infrato­res tinham fugido para o nosso lado. Como os amigos eram de São Paulo, nunca tinham ouvido falar em tarrafa. Não entenderam nada. Foi duro convencer os fiscais que a gente não estava pescando. Mas a cena mais hi­lária ficou por conta do Leo tentando explicar ao Zé, aos berros, o que estava acontecendo. A única coisa que ele tinha percebido era uns vultos gri­tando e passando a mão no seu traseiro molhado. Minha impressão é que, até hoje, ele não entendeu direito o sucedido naquela noite.
Em outra oportunidade, o amor pelo rio quase me deu cadeia. Tínhamos um jornal acadêmico, onde es­crevi um artigo intitulado "O crime da poluição”.
Era uma matéria técnica baseada numa entrevista com o Prof. Jardim, da Esalq, sobre os malefícios das descargas de restilo no rio. Naquele tempo, as usinas eram construídas à beira dos rios, não só para facilitar a captação de água, mas também pa­ra livrarem-se mais facilmente dos poluentes. O que hoje pode ser consi­derada uma nobre preocupação, configurou-se como uma perniciosa subversão, para a visão tacanha da dita­dura advinda do golpe militar de 64. Na cabecinha deles, só por ser estu­dante, eu já era suspeito; como dire­tor de centro acadêmico, mereci ser fichado no DOPS; por participar de um congresso da UNE, fui considerado comunista; e por escrever algo denunciando o poder econômico, tornei-me passível de detenção. Fui indiciado até em um IPM (inquérito político-militar) por conta disso.
Mas essa preocupação com o meio ambiente, que me vem acompanhado desde então, foi despertada quan­do comecei a ver o meu rio perden­do os seus peixes, suas águas se tor­nando turvas e malcheirosas, sendo desviadas sem consulta para abaste­cer outras cidades. Sinto uma profunda consternação e revolta por ver que desde aquela o problema só fez aumentar. Falou-se muito, mas muito pouco se fez de concreto.
Morei fora por muito anos, mas sempre que voltava à cidade, depois de ver os parentes, eu ia ver o rio. Era um ritual, como voltar ao templo da iniciação. Parar às suas margens e fi­car olhando as águas, era como fazer uma prece. Numa dessas vezes, algum tempo atrás, vi o meu amigo Ítalo, apoiado à amurada em frente ao Regatas, hierático, olhando o rio, como fazia na juventude. Então ele me dis­se que aquele era o seu ritual, que vi­nha sempre ali e conhecia todas as ma­nifestações do rio: sua alegria nas cheias e seu sofrimento e agonia na estiagem, causados pela tortura das cargas poluidoras impiedosas. Despedi-me como um antigo confrade e, em silêncio, agradeci-lhe por conti­nuar mantendo viva a chama...


segunda-feira, 8 de março de 2010

1° de janeiro de 2040: Um quase-conto de Natal

Mar da Galiléia (Foto do Autor- 2009)

“Hoje, o dia amanheceu com um brilho diferente. Aqui no norte, os dias são sempre muito brilhantes, chega a doer nos olhos, mas hoje os tons da vegetação, a paisagem, o horizonte, a água do mar, tudo está mais nítido, mais intenso, mais tridimensional. Consigo perceber nuances sutis, como há muito tempo deixei de ver, mesmo com o auxílio dos fantásticos óculos hiperespectrais de última geração. Estou gostando, essa sensação visual está me fazendo bem; acho que não vou tomar nenhum remédio hoje.

Como de costume, estou na varanda aberta para a placidez das águas e dos morros cultivados. Sinto-me tão bem aqui, foi a melhor coisa que fizemos quando decidimos nos mudar para cá, alguns anos atrás. Téia, minha mulher, relutou um pouco, queria ficar próxima dos bisnetos, mas aceitou depois de assinarmos o plano de viagens mensais, o que nos permite passar uns dias por mês com eles, em qualquer parte do mundo. Aqui, os idosos da Quarta Idade têm muitos benefícios. E nós já estamos no meio dessa nova etapa da vida. Pode não ser a melhor, mas, seguramente, é muito divertida também. Somos imensamente felizes. Vivemos num ambiente de muita paz. As pendengas políticas do Oriente Médio foram definitivamente resolvidas na última década e paira no ar um clima de concórdia e cooperação entre os países limítrofes.

Embora estejamos morando sozinhos aqui, esses incríveis meios de comunicação atuais nos permitem falar e ver as pessoas no meio da sala, com uma nitidez incomparável. Fico sempre extasiado com tais tecnologias, confrontadas com as usadas em 2010, por exemplo. Os bisnetos acham muito engraçado quando falo das coisas de 2010, mas esse foi um ano que ficou marcado em nossas vidas porque representou a mudança, para melhor, de todos nós. Talvez por isso minhas lembranças retornem a ele com freqüência e gratidão.

Comecei a escrever essa crônica agora num extraordinário computador inteligente, presente de Natal de Gustaf, meu neto. Estou me divertindo muito com essa nova maquininha que não lembra nem de longe os antigos computadores do início do século. Ele gosta de me trazer novidades tecnológicas. Ainda passamos horas conversando sobre todos os assuntos. Sempre tivemos uma empatia muito grande. Estamos aguardando a sua visita. Vai chegar com a esposa hoje à tarde. Eles não puderam vir para o Natal, mas mandaram os filhos para passar uns dias conosco e a casa está em festa com a presença deles. Foram acompanhar a bisavó no seu passeio matinal à beira-mar.

Gustaf sempre foi um jovem brilhante e trabalha agora em projetos gigantescos de recuperação de áreas degradadas no mundo todo. Sua empresa já conseguiu reverter a degradação do Mar Morto, que voltou a ter águas com o mesmo volume e teor dos tempos bíblicos. Uma façanha pela qual recebeu uma comenda da Organização das Nações. Sou um de seus maiores admiradores, perdendo apenas para a avó.

Obviamente, não se pode esquecer a formação dada a ele por seus pais. Estes, depois de aposentados, engajaram-se num projeto internacional para a recuperação de jovens na África. A grande experiência adquirida no Brasil para casos semelhantes levou-os a abraçar essa missão de alta relevância para a pacificação de países menos favorecidos do continente africano. Tenho muito orgulho deles e mantemos estreito relacionamento para ajudá-los a perseverar na causa benemérita.

Hoje é um dia de coincidências porque meu filho mais novo está em missão na África e deve encontrar o irmão e a cunhada. Ele é professor universitário e está no comando do programa de equalização holística de expertises, ou seja, a reunião de pesquisadores de mesmo padrão intelectual e formações diferentes das universidades de todo o mundo. Esse é um grande esforço das nações para o melhor aproveitamento e crescimento holístico de sua elite acadêmica. Vamos vê-los mais à noite pelo novo comunicador holográfico que Gustaf disse estar trazendo. Vai ser divertido.

Lembrei-me hoje também que devo ir ao Brasil no ano que vem. Vou a cada cinco anos para um evento especial: a reunião da turma da faculdade. Imperdível. Somos ainda um considerável número de sobreviventes, bastante capengas, diga-se, mas com o mesmo brilho no olhar dos idos de 1966, quando nos formamos. Ainda escrevo uns versos para a ocasião. Eu os chamo de “cantos senoidais qüinqüenais”. Em 2036 escrevi o “canto senoidal do décimo quarto qüinqüênio”, para comemorar os setenta anos de formatura. Uma marca histórica, sem dúvida.

Nessas viagens, tenho tido a oportunidade de verificar como o Brasil vem melhorando nas últimas décadas. Atualmente, encontra-se entre os cinco países mais desenvolvidos do planeta. E o que mais me alegra é o índice de desenvolvimento humano alcançado. As últimas medições dão conta de que já está em 15° lugar, o mesmo ocupado por Israel em 2010. Não é pouca coisa. Foi preciso um grande esforço da sociedade civil e do governo para se chegar a isso. Incrivelmente, hoje políticos corruptos se suicidam de vergonha quando são pilhados em alguma falcatrua, coisa impensável no início do século.

Vou parar de escrever agora. Devo ter me alongado além da conta nessas memórias. De repente ficou escuro, embora ainda seja dia, e eu sinto um grande cansaço. Vou descansar um pouco. Gustaf já deve estar chegando. Amanhã cedo continuo a escrever”

Encontrei o texto acima inacabado no computador do meu avô. Cheguei há pouco do mar, onde fui depositar suas cinzas, como era seu desejo e nosso pacto desde a minha infância. Ele fez sua travessia, placidamente, aos 99 anos.

Tiberíades, 1° de janeiro de 2040.

Gustaf

domingo, 18 de outubro de 2009

Uma viagem inesperada

Mapa de Moçambique

Devido a necessidades profissionais, fiz uma viagem relâmpago a Maputo, capital de Moçambique, na última semana de setembro.

Situado na região sudeste da África Austral, com 800.000 km2 , 20 milhões de habitantes e banhado pelo Oceano Índico, Moçambique é um país muito pobre, colonizado pelos portugueses, livre a partir de 1975 e cheio de problemas. Pra se ter uma idéia, dentre os países do mundo avaliados pela ONU, o país ocupa o 172° lugar, do total de 182 países listados no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Ou seja, só há dez países em pior situação no mundo.

O “Plano de Acção para a Produção de Alimentos- 2008-2011”, do Governo informa que:

“Cerca de 70% da população Moçambicana vive nas zonas rurais e pratica a agricultura como sua principal fonte de obtenção de renda. A produção agrária é desenvolvida maioritariamente pelo sector familiar, que ocupa mais de 97% dos 5 milhões de hectares actualmente cultivados. A agricultura em Moçambique ainda é caracterizada por baixo nível de utilização de tecnologias melhoradas. Com efeito, apenas 5% dos produtores, dos 3.3 milhões de explorações agrícolas existentes no País, usa sementes melhoradas e fertilizantes. O nível de utilização de tracção animal situa-se à volta de 12%”.

Do pouco que conheci, pude constatar que falam um português agradável, mais brando que os lusos de Portugal, com um “cantado” típico, muito fácil de entender, a não ser quando falam entre si, em dialetos. Aí, não dá mesmo. Aprendi duas palavras nativas, pelo menos: Kanimanbo (Obrigado) e capulanas (as saias coloridas que as mulheres usam) e que precisei aprender para trazer de lembrança pra Irene. Na verdade, as duas palavras me soaram muito familiares, parecendo as palavras dos rituais de candomblé da Bahia.

É um povo simpático, alegre e as pessoas abrem um sorriso amplo quando nos identificamos como brasileiros. É uma empatia à primeira vista. De irmãos que se encontram.

É alentador ver que estão procurando melhorar o nível do povo e fazê-los sair desse perverso ciclo de pobreza. Espero poder voltar lá, por conta do trabalho de Zoneamento a fazer.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Israel para sempre

A placidez da praça da Sinagoga do kibutz Sde Eliyahu (Foto do autor, 07-2009)

Israel era um país distante, no meio do deserto, habitado por um povo pouco simpático, com uma fama não muito favorável, sempre em guerra com os vizinhos árabes. É mais ou menos assim que pensam muitos brasileiros, entre os quais nos incluíamos. Tempos atrás, cheguei a desdenhar a oferta de inscrição para um estágio em agronomia oferecido para pesquisadores do IAC, por pura ignorância e um quê de preconceito sobre um povo que eu não conhecia. Na verdade, é sempre assim, o preconceito se fundamenta na ignorância, nunca no conhecimento.

Eis que um dia nosso filho mais novo nos informa que está freqüentando as sinagogas e os cursos de conversão para o judaísmo em São Paulo. Ficamos pasmos com tal atitude, relutamos bastante em aceitar, mas era uma decisão sua e a respeitamos. Passamos a tentar entender, mais do que rejeitar, e hoje descobrimos quão sábio foi esse comportamento.
Acabou que ele se converteu mesmo e, um ano depois, conseguiu vir para Israel fazer “Aliah”, um programa da Agência Judaica que promove o retorno dos judeus para Israel. Ele já está aqui há dois anos e meio, como cidadão israelense e seus planos futuros estão todos aqui.

Por conta disso, Israel passou a ser, também para nós, uma pátria distante: a segunda pátria do nosso filho. Começamos a nos interessar por ela, a tentar entender a problemática judaica e fomos descobrindo os esforços hercúleos desse povo que construiu e mantém, a duras penas, um país maravilhoso.

E agora estamos aqui, pela primeira vez, em Israel, visitando o filho e convivendo com os israelenses. Uma experiência fascinante, de onde não voltaremos iguais, mas melhores, mais conscientes da realidade desse país espetacular.
Temos muito que dizer. Por ora, apenas que queremos voltar mais vezes, visitar mais lugares, conhecer mais a história de uma terra abençoada por três grandes religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo.

Aqui se respira a história milenar junto com a mais moderna tecnologia.
E não há fumaça no ar.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Uma homenagem

Miguel Sendin

Conheço "Seo" Miguel há muito anos. Figura sempre simpática, inteligente, culto, gostava de conversar com os amigos de seu filho, Paulo, meu contemporâneo de ESALQ e colega de trabalho no Planasucar. Hoje, com 94 anos de idade, ainda mantém a veia poética que sempre o acompanhou vida afora. 
Como uma singela homenagem, divulgo aqui uma de suas poesias, publicada no Jornal de Piracicaba:

Olhando estrelas
O homem procura
A paz neste mundo.
Mas ela não dura 
Sequer um segundo.

Cabeça pendida,
Os olhos no chão,
Só tira da vida
A desilusão.

Se erguesse o nariz,
Olhando sem véu,
Veria feliz
Estrelas no céu.

No vasto infinito
Do mundo esquecido
Às vezes eu fito
Um lar mui querido.

Me dizem os sábios:
— Tu és um insano.
Pueris são os lábios
Do gênero humano

Que importam os motes
Que ouço ao meu lado,
Se vejo os archotes
No céu estrelado?

 Miguel Melchiades Sendin já foi vendedor de livros e faz poesias desde 1946. Ativo e interessado, gosta de ler e participar de concursos de poesias tendo sido selecionado em vários deles. Em 2004 editou o livro solo, de poesias, “Por puro prazer”.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

O milagre da criação

Gustavo Gonçalves Cavalli

Ninguém discorda que o nascimento de uma nova vida é o evento mais belo da Natureza, por representar a continuidade das espécies sobre a Terra. Um novo ser, com todas as características de seus antecessores, desmembra-se da genitora e encara o mundo com a força e a coragem dos grandes guerreiros. Se, por um lado, o filhote venha à luz com enormes fragilidades, por outro, ele vem dotado de resistências incríveis, de programações vitais extremamente complexas em sua carga genética, que lhe propiciam as condições necessárias para a sua sobrevivência e desenvolvimento em ambientes altamente hostis. Com os cuidados e proteção adequados dispensados pelos pais e membros do seu grupo, ele  se desenvolve e dá continuidade à sua espécie, cumprindo a missão evolutiva determinada nos códigos de seu DNA.

De modo bastante abrangente, isso pode ser dito para todas as espécies animais do planeta, mas o nascimento de um novo ser se reveste de especial importância quando ocorre entre os humanos, por motivos óbvios: diz respeito à nossa espécie.

O neonato trás uma onda de felicidade que envolve todos os membros do clã, pela preciosidade que representa. Em todas as culturas e religiões, ele é considerado benção divina, milagre, manifestação superior, explosão de vida. E não é para menos. Ele traz um novo alento, renova esperanças, revalida promessas, carrega consigo uma grande carga de felicidade, espargindo-a sobre todos os que o rodeiam.

 Pois, eis que nossa família foi agraciada com uma bênção especial: nasceu Gustavo, nosso primeiro neto.  Ele vem renovar a imensa alegria que sentimos com o nascimento dos nossos filhos, tempos atrás. Difícil descrever essa sensação sem ser piegas, mas a melhor definição que ouvi para a condição de avós foi da Marieta Severo: “a gente passa a viver num constante estado de bobeira”.  Estamos entendendo exatamente o que isso significa. E, segundo os amigos que já são avós há mais tempo, esse “estado” não passa nunca, o que é muito gratificante, pois significa uma condição de felicidade imorredoura.

Embora as perspectivas para o futuro nesse começo de século não sejam as mais animadoras, cultivamos a esperança que a vida do nosso neto seja feliz e ele possa fazer parte da geração que vai mudar essa insânia em que vivemos.

 Tudo leva a crer que estou certo. Consultando os oráculos, fui informado que ele é do signo de Áries e recebi auspiciosas revelações sobre sua personalidade:

Militante, obstinado, corajoso e ambicioso, o ariano é rápido, dinâmico e entusiasmado. É um líder natural e nunca do tipo que segue simplesmente, por isso se sai bem em cargos de liderança e quando é preciso ter autoridade;

O ariano é direto e competitivo quase nunca usando de subterfúgios ou agindo de forma oculta ou misteriosa. É cheio de entusiasmo porque gosta de estar vivo e precisa sempre ter um desafio para se sentir vivo, sendo por isso que está sempre à procura de novas aventuras e novas metas a alcançar;

Seus padrões de raciocínio são apaixonados, rápidos e instintivos fazendo com que mostre compreensão rápida. Sua mente é ágil, dinâmica e impaciente com relação a detalhes e atrasos pertinentes a todo processo de aprendizagem”.

 Então é isso, temos um ariano na área para alegria, felicidade e "babação" geral. Como prevíamos, é um menino lindo. A vida sorriu pra nós. O clã está em festas. Deo gratias.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Cá como lá...

Os boatos (hoaxes, em inglês) espalhados pela Internet, são uma praga vicejante e recorrente que causa insegurança nas pessoas e prejuízos aos envolvidos. Na melhor das hipóteses, trata-se de brincadeira de mau gosto, disseminando informações falsas e maliciosas.

Não faz muito tempo, andou passando pelas nossas caixas postais um desses boatos alarmistas sobre o pátio de uma suposta montadora de veículos no país, com fotos de recém construídos modelos semi-submersos numa enchente. Em letras garrafais e vermelhas, o texto especificava uma montadora e “alertava” para o perigo de se adquirir veículos novos daquela marca, pois estariam irremediavelmente avariados e maquiados, com o intuito precípuo de “enganar” os consumidores.


A enchente de lá (autor desconhecido)

Uma perícia informal sobre as fotos apresentadas permitiu verificar que os modelos não eram fabricados no Brasil; que o entorno do pátio tinha características estrangeiras e que a foto foi maquiada. Ou seja, era uma informação inverídica e de má-fé: não se tratava de enchente brasileira!

Pois se a vida imita a arte, a verdade imitou o boato.

Não é que as águas de março, já fechando o verão, trouxeram uma imagem de situação semelhante, agora ocorrida de fato “neste país” e logo ali, à margem da Rodovia Anchieta, coincidentemente no pátio da montadora citada no boato?

Os helicópteros de todas as emissoras de TV sobrevoaram a cena de quatro centenas de modelos saídos da linha de montagem, enfileirados no pátio da montadora, afogados pela tempestade diluviana do dia 17 de março na Grande São Paulo.


A enchente de cá (Rede Globo, 17/03/09)

Face à repercussão negativa, o porta-voz da referida montadora apressou-se a acalmar seus clientes, afirmando que eles não correrão nenhum risco de perder o “cheirinho de novo” de seus futuros veículos, pois que os “afogados” seriam devidamente descartados. Meno male...

Então, fica o consolo de saber que estamos todos irreversivelmente globalizados mesmo, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, no boato e no fato, na seca e na enchente...... mundinho pequeno...


quarta-feira, 18 de março de 2009

Um e-mail para Gustavo


Vendedor de balões (Irene - 03/09)

Meu querido:

Estamos todos no aguardo de sua chegada. Temos visto suas fotos ecográficas e o achamos muito lindo. Na verdade, o mais lindo de todos J

Sua mãe tem nos contado de suas “andanças” em seu útero e seu pai está muito orgulhoso do primogênito. Ambos têm grandes planos pra você. E um amor infinito pra lhe dedicar.

Seu quarto já está pronto, preparado com muito carinho; os parentes e amigos já lhe deram muitos presentes. Estamos todos interessados em facilitar a sua vida quando passar para o lado de cá. No que depender de nós, sua vidinha vai fluir com tranqüilidade, saúde e alegria.

Venha sem medo, prepare-se bem, física e espiritualmente. Do nosso lado, todos os procedimentos estão sendo tomados para que sua “aterrissagem” se dê suavemente, sem nenhuma turbulência.

Você é nossa esperança de ajudar o mundo a seguir melhores e menos insanos caminhos.

Bem, eu teria muitas coisas pra lhe dizer, mas acho que vou esperar você chegar primeiro.

Sua avó só fala em você, lhe manda um grande beijo e um desenho para enfeitar o seu quartinho.

Todo o meu afeto e até breve, Gustavo.

Do avô

Antonio Carlos

terça-feira, 10 de março de 2009

Um pássaro muito especial

No céu das Américas. (Foto S. Sakall - 08/2005)

Eis um pássaro maravilhoso, conhecido por Jaburu ou Tuiuiú, dentre os nomes mais comuns.  Certamente, para meus possíveis leitores, ele não é de todo estranho.

O Jaburu é o maior pássaro do Brasil. Suas asas abertas têm quase três metros, de uma ponta a outra. Nada mal, poucas aves no mundo têm essa envergadura. Ele é uma ave pernalta, parente da cegonha, mas não trabalha na profissão da prima. Prefere filosofar.

É um magrelo por natureza, mas, com suas grandes asas, é capaz de voar por todo o continente, do México até a Argentina. Um cucaracha terceiro-mundista por excelência.

Gosta de ficar perto da água, em rios, lagos e pântanos. Nesses lugares, anda devagar, devagarinho, como diz a música.  Não sendo nada bobo, prefere a água rasa, procurando os bichos que come. Dono de um apetite enorme come peixes, caranguejos, sapos, lagartos e até cobras e ratos. Não se pode dizer que seja um gourmet muito refinado, pelo menos para os padrões ocidentais, mas o que você quer, nos pântanos não tem champignon. E quem não engole um sapo de vez em quando?

Dizem que é desajeitado ao andar, o que é uma grande injustiça, pois ele apenas é cauteloso ao pisar onde passam patos e marrecos, seus vizinhos de charco.

Diferentemente dos baianos, o Jaburu descansa em pé, elegantemente, parado em cima de uma perna só. Também gosta de tomar banho de sol com as asas abertas, se esquentando e secando suas penas, que ninguém é de ferro.

É um pássaro fiel, mantendo a mesma parceira a vida toda. O casal muda muito, mas costuma voltar todos os anos para o mesmo ninho.

Sendo  um  pai muito dedicado,  ajuda a fêmea a chocar os ovos e cuidar dos filhotes. Deve ser um dom de família, já que é primo da cegonha.

domingo, 8 de março de 2009

Pra mulher da minha vida

Tapeçaria (Irene Cavalli, 1978 - Rio de Janeiro)

Reafirmando

(um amor de muitos anos) 

Pra Irene

Rearranjo os versos

Redigito as prosas

Reimprimo as laudas

Repasso os textos

                        Pra te motivar         

Releio os contos

Retoco as imagens

Relembro as canções

Recito os versos

                        Pra te agradar

Remodelo os cômodos

Recombino as peças

Reorganizo os móveis

Reverdeço as áreas

                        Pra te acomodar

Recupero as vias

Reformulo os trechos

Reassento os trilhos

Remanejo as rotas

                        Pra te facilitar

Redefino as metas

Reestruturo as obras

Restabeleço as ordens

Revalido as promessas

                      Pra te acompanhar

Revisito os sótãos

Reviro as gavetas

Removo os entulhos

Rebusco os átrios

                        Pra te procurar

Renovo os votos

Revejo as crenças

Recrio os ícones

Reelejo os mitos

                          Pra te apaziguar                       

Reenvio as cartas

Reconsidero os ditos

Retiro os fechos

Reconduzo os sonhos

                        Pra te alcançar 

Recarrego as armas

Recomponho as hostes

Reconto as perdas

Retomo as lutas

                        Pra te honrar

Reformo as tendas

Reabro as cortinas

Reponho os incensos

Refaço as camas

                        Pra te amar...

antoniocarloscavalli

outubro/2002